China e Japão: Rumo a um novo equilíbrio
Texto publicado no jornal Hoje Macau em 15/05/2008
José Carlos Matias
“O renascimento da Ásia não pode acontecer sem a cooperação entre a China e o Japão”
Hu Jintao, durante a visita ao Japão, em 8 de Abril de 2008
Da “amizade” à percepção de ameaça
A visita de Hu Jintao revestiu-se de uma carga simbólica a vários níveis. Não só foi a primeira de um chefe de estado chinês ao Japão em dez anos – depois de Jiang Zemin em 1998 - como surgiu numa altura em que as duas partes comemoram os 30 anos sobre a assinatura do Tratado de Paz e Amizade. Ao longo dos anos 1980, as relações foram marcadas por um registo cordial em que as duas partes evitaram fazer referências ao passado – ou seja à ocupação japonesa. Nessa altura em Tóquio vigorava uma geração de líderes que defendia uma abordagem “amigável” com o vizinho. A repressão violenta sobre os estudantes na Praça de Tiananmen despoletou uma nova fase. O Japão criticou duramente a liderança chinesa, ao passo que em Pequim, à falta da raison d’être da construção da sociedade socialista, as garras do nacionalismo chinês cresceram tendo como alvo país vizinho, sobre o qual paira a memória colectiva da invasão e de atrocidades como o Massacre de Nanjing. A retórica da China humilhada foi reforçada num sistema educativo cada vez mais “patriótico”. Do outro lado – numa cadência acção-reacção – altas figuras do estado japonês, como o ex primeiro-ministro Junichiro Koizumi, visitavam o Templo de Yasukuni para prestar homenagem a soldados do exército imperial autores de crimes de guerra.
Em 2006, Shinzo Abe quebrou o gelo com uma visita oficial – a primeira depois de ser empossado primeiro-ministro japonês – a Pequim. No ano passado, Wen Jaibao retribuiu com uma deslocação à capital nipónica.
Japão: entre “civilistas e normalistas”
Como pano de fundo para o relacionamento do Japão com a China está a própria identidade do estado-nação nipónico. Que caminho seguir? Continuar a ser uma nação sobretudo civilista ou rumar rapidamente ao uma “normalização” militar colocando um ponto final à natureza pacifista da constituição pós-II Guerra.
A primeira tendência acredita que o país deve continuar a ter uma natureza de poder civil, ou seja, uma potência económica capaz de ter maior participação nas missões de paz da ONU e na promoção dos direitos humanos, mas nunca de uma forma agressiva. Nesse sentido, um relacionamento amigável com Pequim é positivo na medida em que com a interdependência económica pode advir uma abertura do regime chinês.
Os “normalistas” argumentam que não faz sentido que o Japão seja uma excepção na “anarquia” do sistema internacional, necessitando por isso de se equipar e modernizar militarmente. Ou seja, o Japão deve ser um país “normal” com uma estratégia cimentada numa aliança militar com os EUA, mas com capacidade de defesa autónoma – ser na Ásia Oriental o que o Reino Unido é para Washington na Europa. A China será, nesse sentido, um competidor estratégico do EUA, e uma ameaça ao Japão. Por isso será um país a “conter”. A China, por seu lado, olha para a presença militar norte-americana no Japão de uma forma ambígua: por um lado constitui parte do “encirclement” dos EUA à China; por outro tem prevenido o Japão de ter necessidade de ressurgir como potência militar na região.
Virtudes e limites da inter-dependência
Na economia, os dois vizinhos estão cada vez mais inter-dependentes. Em 2007, a China, incluindo Hong Kong, tornou-se no principal parceiro comercial do Japão, ultrapassando os Estados Unidos; no mesmo ano, o Investimento Directo externo (IDE) japonês acumulado na RPC ascendeu a 60 mil milhões de dólares. Em Tóquio é cada vez mais evidente que a dinâmica japonesa depende do crescimento económico da China. Em declarações à agência Reuters, Koichi Nakano, professor na Tokyo Sophia University, reconhece que “o Japão olha para a China como um parceiro económico muito importante, mas ao mesmo tempo encara com inquietude a possibilidade da RPC destronar o país como a maior potência económica na região”.
Uma questão que tem ocupado a mente de vários analistas é a razão pela qual a interacção económica entre os dois países não tem contribuído para um terreno mais firme ao nível das relações sociais, intelectuais e de segurança comum. Michael Yahuda argumenta que não há confiança nem empatia entre as sociedades civis dos dois lados para dar seguimento à realidade de duas economias que têm beneficiado bastante com a inter-dependência. Isso acontece porque, ocasionalmente, líderes e “fazedores de opiniões” dos dois lados sucumbem facilmente a discursos que envenenam um relacionamento que em concreto tem registado economicamente grandes avanços.
Onde está o elixir?
A cimeira da “Primavera Quente” e as visitas de Shinzo Abe e Wen Jiabao têm mostrado um lado conciliador das lideranças dos dois lados, mas como refere Huang Dahui, especialista em assuntos nipónico da universidade de Remin em Pequim, “as relações oficias estão calorosas, mas na verdade, o maior obstáculo são as populações dos dois países que se olham com desconfiança mútua”. Os problemas históricos e estruturais persistem: a soberania sobre as ilhas Diaoyu, os laços de Tóquio com Taipé, o legado histórico da ocupação japonesa, as disputas sobre a zona económicas exclusivas ou a ambição do Japão de fazer parte como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Mas o que condiciona a resolução negociada destes interesses contraditórios é a percepção estereotipada e a desconfiança. Nesta visita, Hu e Fukuda abriram uma porta que pode vir a revelar-se fundamental para evitar um retrocesso: o início de uma nova era de cimeiras anuais e novos mecanismos de diálogo de alto nível. Essa poderá ser a via rumo a um novo equilíbrio. Não será, no entanto, um elixir da imortalidade (Paz Perpétua).
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