Wednesday, April 25, 2007

O Congresso e a Diwudai

José Carlos Matias
Texto publicado no jornal Hoje Macau, 25-04-2007


A propósito da arte da interpretação do discurso e da prática política na República Popular da China (RPC), o ensaísta Simon Leys - heterónimo do sinólogo belga Pierre Ryckmans – escreveu que esta se assemelha à “arte de interpretar inscrições inexistentes com tinta numa página em branco”. Ou mesmo ao exercício instintivo dos “velhos sagazes que, no campo, são capazes de prever o tempo que vai fazer pela simples observação da profundidade das escavações das toupeiras”.Em momentos de transição de poder, a leitura dos sinais que nos chegam fica ainda mais complexa. Embora a transição, de facto, de poder da Quarta para a Quinta Geração (Diwudai) só se consubstancie em 2012, é este ano que deverá emergir o núcleo duro que tomará o leme da RPC entre 2012 e 2022 - partindo, obviamente, do princípio que o mecanismo institucionalizado de transição de poder iniciado por Deng Xiaoping não sofrerá alterações. O 17º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), marcado para o último trimestre de 2007, será o momento-chave. Não será, eventualmente, desde já designado o sucessor de Hu Jintao, mas é certo que um grupo restrito de dois ou três dirigentes entrará para o Comité Permanente do Politburo (CPP) – o “centro nevrálgico” do partido e do Estado. É com este pressuposto que muitas análises têm sido feitas pelos denominados “China Watchers”. Cheng Li, investigador da Jamestown Foundation que está a estudar a emergência da Quinta Geração, considera que ainda não é claro se “o 17º Congresso vai seleccionar um único líder mais jovem, o benjamim da quinta geração, para suceder a Hu Jintao ou se vai escolher quatro estrelas emergentes que depois se possam posicionar na linha de sucessão”.

As mudanças esperadas na cúpula do PCC

Dos nove membros do CPP pelo menos dois deverão ceder o seu lugar: Huang Ju, que também ocupa o cargo de vice Primeiro-Ministro, e Luo Gan, secretário para os Assuntos Políticos e Legislativos do Comité Central do PCC. A idade é desde logo um factor a ter em conta. Luo, com 72 anos, ultrapassou o limite imposto (70 anos) desde Jiang Zemin para continuar no CPP, ao passo que Huang, 69, tem tido problemas de saúde. Outras vagas poderão ser abertas consoante a balança de poderes que emergir dentro do Partido até ao Congresso.Num artigo publicado no “Asia Times Online”, Wu Zhong dá conta da eventual vontade de Hu Jintao baixar a idade da “reforma” para os 68 anos, podendo assim remodelar o CPP mais ao seu gosto para que no seu segundo mandato como Secretário Geral do Partido e como chefe de Estado não tenha que lidar com um grupo ainda maioritariamente sob influência de Jiang Zemin – embora a ascendência do ex-líder seja questionada sobre alguns dos que são dados como próximos da denominada “Clique de Xangai”. Em todo o caso, é provável que Hu use a sua influência para redesenhar o CPP mais a seu gosto. Contudo terá que fazê-lo sempre tendo em conta Zeng Qinghong, o poderoso vice-presidente com quem o Secretário-geral tem uma relação simultaneamente competitiva e cooperativa. Zeng quererá, neste processo, promover alguns dos seus protegidos. Além de ser encarado como a “mão” de Jiang no CPP, Zeng é também, por ser filho de um dos revolucionários veteranos fundadores da RPC, visto como o patrono dos princelings (taizi, filhos de dirigentes históricos do PCC).

Xi e os dois Lis

A interdependência complexa entre Hu e Zeng já terá sido testada no processo de escolha de Xi Jinping para secretário do Partido para Xangai. Xi, 54 anos, é sem dúvida uma das estrelas que poderão brilhar no Congresso. Filho de Xi Zhongxun - revolucionário da Primeira Geração da RPC que foi purgado por duas vezes por Mao Zedong – tem um estilo informal que lhe tem valido elevados níveis de popularidade nas províncias onde teve responsabilidades políticas quer nos governos locais quer na liderança do PCC: Shaanxi, Hebei, Fujian e Zhejiang. A sua elevação para secretário de Xangai coroa um percurso que tem sido acompanhado de perto pelos seniores do PCC. Já em 2002, no livro“China´s New Rulers”, Andrew Nathan e Bruce Gilley escreviam que “Xi tem estado sob intenso escrutínio em Pequim. Cada um dos seus discursos, decisões políticas e entrevistas têm sido analisados. As avaliações são invariavelmente positivas”. Licenciado em Direito e Química pela Universidade de Tsinghua, Pequim, Xi é descrito como um adepto do avanço das reformas económicas e alguém que aparentemente reúne consenso entre Zeng e Hu.Li Keqiang, 52 anos, é outra estrela emergente. Formado na Universidade de Beida, onde se licenciou em Direito e Economia, é encarado como um dos dirigentes mais próximos de Hu Jintao por ter colaborado com o Presidente de forma directa quando este liderava, no início dos anos oitenta, a Liga da Juventude Comunista (LJC). A sua ascensão desde então terá sido apadrinhada por Hu. Passou vários anos na província de Henan, onde desempenhou os cargos de governador e secretário do PCC, numa altura de forte crescimento económico da província mais populosa da China. Contudo, a sua imagem ficou indelevelmente relacionada com o escândalo da venda de sangue infectado com o vírus HIV em aldeias de Henan. O caso sucedeu antes de Li chegar à província, mas, escreve Willy Lam, na “China Brief” – publicação norte-americana da Jamestown Foundation - o dirigente terá sido “pouco eficiente no combate aos desvios de dinheiro de ONGs destinados à vítimas da SIDA”. Além disso impôs um manto de silêncio sobre os casos, controlando a informação que era publicada sobre o assunto. Agora, como secretário da província de Liaoning, tem conseguido projectar a sua imagem de forma bem mais positiva estando associado ao projecto de revitalização das três províncias do nordeste.A correr na mesma pista que Li Keqiang - ou seja no grupo de quadros formados na LJC e na Universidade de Beida - tem estado Li Yuanchao. Aos 56 anos, o secretário da província de Jiangsu tem impulsionado politicas originais em áreas como o ambiente e a cultura, além de ter granjeado apoio dos sectores reformistas por ter fomentado a competição aberta a cargos de vice-directores de departamentos provinciais. Ficou famoso por declarações surpreendentes como “Os arranha-céus não são bonitos nem práticos (...) são uma vergonha para os nossos antepassados”.

Outros valores emergentes

Cheng Li chama a atenção também para Wang Yang, 52 anos, secretário do município de Chonqing, cuja carreira também está há cerca de 25 anos ligada a Hu Jintao, não apenas por ser natural da mesma província que o presidente, mas por ser, à semelhança de Li Keqiang e Li Yaunchao, um produto da escola da LJC sob a égide de Hu.Outro dirigentes como Wang Qishan, 59 anos, presidente da Câmara Municipal de Pequim, Bo Xilai, 58 anos, ministro do Comércio, ou o governador do Banco do Povo da China (banco central), Zhou Xiachuan, 58 anos, surgem como proeminentes taizi que poderão assumir cargos no Politburo, embora seja dada como menos provável a sua subida ao CPP.Para os observadores externos, a balança de poderes entre as várias facções e sensibilidades do PCC é pouco mais que opaca. É por isso natural que a vida política interna do PCC dê azo a inúmeras especulações e rumores. Wu Zhong alerta que, uma vez que em prol da unidade as actividades das facções são silenciadas e eficazmente escondidas do público, “rumores são espalhados quer para expressar um desejo quer para demonstrar insatisfação. Muitas vezes servem para testar a reacção do público em geral”. Isso poderá ter acontecido há dois meses quando alguns media ocidentais deram conta da possibilidade de um “golpe de teatro” no 17º Congresso: Zeng Qinghong substituir Hu Jintao como presidente da RPC, mantendo-se Hu como líder do Partido e do EPL. “Power Politics” com características chinesas.

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home